Previsão do saldo acumulado da Balança Comercial em 2003

            Entre os quatro itens que compõem a Conta de Transações Correntes do Balanço de Pagamentos Brasileiro, a Balança Comercial apresenta-se como o mais dinâmico. Os demais, a saber, serviços não-fatores, rendas e transferências unilaterais, são caracterizados por forte rigidez.
            A rigidez de serviços deve-se à falta de investimentos na frota de transporte internacional com bandeira nacional; os saldos da conta de rendas referem-se ao estoque passado de Passivo Externo Líquido, que não é passível de manipulação pela política econômica corrente; e as transferências unilaterais são decorrentes de decisões econômicas cuja origem está em outros países. Por esse motivo, é de suma relevância para o país a obtenção de superávits na Balança Comercial (exportações menos importações), bem como o conhecimento, acompanhamento e projeções desse agregado macroeconômico.
            Em 2002, MARGARIDO e TUROLLA (2002) estimaram um modelo de série de tempo, com base na metodologia desenvolvida por Box-Jenkins, para projetar o saldo da Balança Comercial brasileira1. O modelo foi elaborado em setembro de 2002 e projetou os saldos da Balança Comercial para outubro, novembro e dezembro desse ano. O valor estimado mostrou elevado grau de precisão, ao contrário das expectativas do mercado financeiro. Enquanto em setembro de 2002 analistas de mercado projetavam que o saldo acumulado da Balança Comercial em 2002 se situaria entre US$ 10,5 e US$ 11,0 bilhões positivos, o modelo estimado previu um superávit, na média, de US$ 13,40 bilhões (com mínimo de US$ 10,60 bilhões e máximo de US$ 16,20 bilhões). Com o modelo de previsão adotado, não se obtém um valor exato, mas sim um intervalo contendo valor médio e limites superior e inferior. O valor médio estimado ficou muito próximo do efetivo saldo registrado na balança comercial, que alcançou US$ 13,15 bilhões.
            Dando continuidade a esse trabalho, neste artigo apresenta-se a estimativa para o saldo acumulado na balança comercial em 2003, com base nos dados registrados entre janeiro e agosto do corrente ano. Para a elaboração do modelo de previsão para o saldo da Balança Comercial brasileira em 2003, utilizou-se o pacote econométrico Statistical Analysis Sofware (SAS) versão 8.2.
            De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC)2, o saldo da Balança Comercial brasileira apresentou superávit da ordem de US$ 15,13 bilhões no período de janeiro a agosto de 2003. Em meados de julho e agosto de 2003, o mercado estimava um superávit da Balança Comercial para 2003 entre US$ 17,00 e US$ 18,00 bilhões. No final de agosto e início de setembro, as estimativas realizadas pelo mercado foram reformuladas e passou-se a cogitar um superávit de US$ 20,00 bilhões para 2003. Já utilizando-se o modelo e os dados de janeiro a agosto, o valor médio projetado para o saldo da Balança Comercial durante o ano de 2003 indica superávit de US$ 24,047 bilhões (Tabela 1), que se configura como o mais elevado da história do país.

TABELA 1 – Valores Observados, Previstos, Limites Inferior e Superior do Saldo da Balança Comercial, Brasil, 2003

(US$ Milhões)

Período
Valores Observados
Valores Previstos
Valores Previstos
Limite Inferior
Valores Previstos
Limite Superior
Jan.
1.155
1.174,71
398,16
1.951,26
Fev.
1.116
1.016,18
239,.63
1.792,73
Mar
1.543
1.008,19
231,64
1.784,74
Abr.
1.716
1.532,46
755,91
2.309,01
Maio
2.509
1.706,46
929,91
2.483,01
Jun.
2.358
2.267,02
1.490,47
3.043,57
Jul.
2.058
2.693,60
2.551,60
3.470,15
Ago.
2.673
2.612,70
1.744,39
3.481,02
Set.  
2.914,44
1.856,04
3.972,84
Out.  
2.551,60
1.382,36
3.720,84
Nov.  
2.240,12
944,83
3.535,41
Dez.  
2.345,49
1.014,39
3.676,60
Jan.– Dez.
15.1281
24.062,98
13.539,33
35.221,17
1Valor observado de janeiro a agosto no superávit da Balança Comercial.
Fonte: Dados básicos do MDIC e resultados da pesquisa.

            Nos meses de setembro e outubro, geralmente as exportações tendem a superar as importações, para o que contribui a entrada da safra agrícola, com ênfase nos produtos do complexo soja. Em períodos normais, esse processo tende a ser revertido a partir de novembro, pois há significativa redução das exportações, principalmente de produtos agrícolas, e aumento das importações de matérias-primas para à indústria, relacionado com consumo maior e festas de final de ano. Em função desse fato, a tendência em geral é de queda e/ou eliminação do superávit comercial nos dois últimos meses do ano. No entanto, neste ano o país deve manter expressivos superávits comerciais nos últimos meses de 2003, pois há vários fatores contribuindo para isso, destacados a seguir: 1) após o movimento cambial recente, não há porque considerar uma perspectiva de mudanças bruscas no câmbio real nos próximos meses, o que dá confiança aos agentes econômicos, no sentido de poderem programar seus contratos de comércio exterior num horizonte temporal mais longo; 2) os preços das commodities agrícolas evoluem positivamente, o que indica que a economia mundial está retomando trajetória de crescimento, que por sua vez tende a estimular as exportações brasileiras; 3) mesmo com a redução da taxa de juros doméstica, há um período de defasagem para surtir efeito sobre os agentes econômicos e estimular o crescimento da produção industrial. Além do que, não basta simplesmente reduzir às taxas de juros. É preciso também que as expectativas dos agentes econômicos se tornem positivas, no sentido de ampliar a produção e efetuar novos investimentos produtivos.
            Em função desses aspectos, as importações continuam comprimidas e, apesar da tendência de redução do ritmo das exportações no final do ano, o país deve continuar a obter significativos superávits na balança comercial até o final de 2003. Além disso; a contração da atividade no âmbito doméstico obrigou várias empresas a procurarem novas janelas de oportunidades no mercado externo, fator esse que também contribuirá para alavancar as exportações brasileiras nos últimos meses do ano.
            Como ocorreu no ano anterior, o modelo de previsão deve apresentar elevado nível de precisão para fazer projeções de curto prazo (quatro passos a frente), pois ao tomar-se como referência o mês de agosto de 2003, enquanto o mercado projetava um superávit entre US$ 17,50 e US$ 18,00 bilhões, o modelo proposto nesse trabalho já previa um superávit da balança comercial brasileira da ordem de US$ 24,06 bilhões. Tendo em conta análises recentes, as projeções do próprio mercado financeiro estão convergindo para esse número. Embora a média das projeções do sistema Focus do Banco Central do Brasil3 ainda esteja mostrando expectativas inferiores a esse número, alguns bancos já projetam valores maiores. Por exemplo, boletim da Área de Pesquisas e Estudos Econômicos do Banco Bradesco registra que com 'o dado da primeira semana de novembro o saldo comercial em 2003 já acumula um superávit de US$ 20,8 bilhões, devendo encerrar o ano próximo a US$ 24,0 bilhões'2.
            Finalmente, com base nos elementos anteriores, é oportuno tecer algumas considerações sobre a expectativa em relação a 2004. Mesmo que não ocorra nenhum choque de caráter exógeno, como por exemplo as crises no mercado internacional entre 1977 e 2000, envolvendo os tigres asiáticos, Rússia, Brasil e Argentina, provavelmente não será possível se obter um superávit de magnitude prevista para 2003. Isso porque espera-se que os efeitos da atual política monetária, via redução da taxa de juros, estimulem o retorno dos investimentos nas atividades produtivas e, consequentemente, do crescimento econômico do país.
            Com o Brasil retornando à trajetória de crescimento, as importações tendem a ganhar vigor, pois o país ainda é dependente das importações de bens de capital de alto conteúdo tecnológico e sua indústria doméstica de bens intermediários se encontra em níveis elevados de utilização de capacidade. Do lado das exportações, a expansão do nível de atividade tradicionalmente desvia comércio externo para o mercado doméstico brasileiro. Como resultado desse conjunto de fenômenos esperados, o saldo da balança comercial tende a diminuir, apesar da política de promoção de exportações em vigor. Adicionalmente, o maior volume de amortizações da dívida externa programadas para o próximo ano indica que a assinatura do novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) encontra fundamento nas necessidades de financiamento do setor externo da economia brasileira, contribuindo para atenuar a vulnerabilidade externa do país.

1 MARGARIDO, Mario A.; TUROLLA, Frederico A. Análise da Balança Comercial. Informações Econômicas, v.32, n.12, dez. 2002. p.21-30.
2 MDIC: www.mdic.gov.br
3BCB: www.bcb.gov.br
4 Banco Bradesco, Boletim Diário, Área de Pesquisas e Estudos Econômicos, 11 de novembro de 2003.

Data de Publicação: 18/11/2003

Autor(es): Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Frederico A. Turolla (fredturolla@terra.com.br) Consulte outros textos deste autor
Arthur Antonio Ghilardi (arthurghi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor